FIERCETOUR: Sedlec Ossuary (Kutná Hora)
6/10/2013Alguns de vocês já devem ter ouvido falar sobre o ossuário de Sedlec, na República Tcheca. Tenho um amigo muito querido que, inclusive, foi quem me contou sobre esse lugar e que tem tatuado um dos monumentos dentro dessa igreja. A cidade de Kutná Hora, onde fica o ossuário, está a uma hora de trem de Praga, capital tcheca, e é um lugar bem pequeno e cinzento, vazio e até um pouco antiquado - não por conta das construções, mas a impressão de vilarejo me fez sentir muito que estava na idade média hahah... E a principal atração de lá é, justamente, o ossuário Sedlec.
Um deles, Miroslav de Cimburk, fundou em Sedlec o primeiro mosteiro cistercense da Boêmia, o qual recebeu, em 1142, doze monges que, mais tarde, seriam responsáveis pela descoberta do minério de prata - no caso, essa conquista é atribuída ao monge António. Mas a riqueza e a glória consequentes não se reservaram apenas a Kutná Hora, que foi fundada como cidade em 1276, mas também deu recursos à construção da igreja monumental de Nossa Senhora da Assunção, em Sedlec, que foi erguida nos anos de 1280-1320. Nessa mesma época, aliás, foi edificada também a capela que hoje conhecemos como a capela de ossos ou ossuário de Sedlec.
Em 1278, o abade do mosteiro de Sedlec, Henrique, foi mandado com uma mensagem do rei Premysl Otakar II a Jerusalém, de onde trouxe uma amostra da terra do Calvário e a qual espalharia pelo cemitério local. Esse foi o motivo pelo qual ele passou a ter a fama de Terra Santa. A partir de então, tanto moradores de Kutná Hora quanto estrangeiros, que vinham da Polônia, Baviera e Bélgica, desejavam ser sepultadas no cemitério da capela.
Nos tempos de epidemias, milhares de pessoas encontraram ali a sua morada derradeira. As crônicas antigas dizem que, no tempo da grande peste, em 1318, foram sepultadas cerca de 30 mil pessoas naquele cemitério. O número de sepulcros aumentou ainda mais no tempo das guerras hussitas. Em 1421, os hussitas queimaram o mosteiro cistercense e massacraram quinhentos monges. Nos arredores de Kutná Hora, várias batalhas ocorriam, das quais a maior, em 1424, passou-se perto de Malesov. Com isso, o número de vítimas correspondeu também à área do cemitério que, à época, era de 3,5 hectares. Depois das guerras hussitas, no entanto, o local foi se reduzindo. Primeiro, os ossos foram sobrepostos ao redor da capela. Mais tarde, foram transportados à parte inferior e, em 1511, um monge os arrumou em seis pirâmides.
A igreja do cemitério, ou a capela de ossos, é uma construção gótica que data do fim do século XIV. Ela, na verdade, foi erigida por cima de outra que, em 1421, foi danificada pelo fogo causado pelos hussitas. Reconstruída no início do século XVIII, a igreja foi renovada junto ao mosteiro de Sedlec, que seguiu o projeto do abade Snopek e do arquiteto João Santini-Aichel. Para deixar a obra bastante firme, Santini-Aichel construiu a fachada central entre as torres da fachada ocidental e solidificou a construção com a dependência da ante-sala ocidental. Ele também reformou o espaço interior decorando-o com o uso de ossos humanos e de outros elementos, por exemplo as coroas talhadas sobre as pirâmides e os candelabros - todos seguindo o estilo arquitetônico gótico-barroco. Na fachada barroca entre as torres, encontramos a estátua de Nossa Senhora da Conceição, feita por M. V. Jäckel em 1709. Esse mesmo artista que também foi responsável pela estátua de São João Nepomuceno, que se situa em frente à capela, com as estátuas de outros quatro santos: São Venceslau, São Adalberto, São Procópio e São Floriano.
Em 1784, quando o imperador José II fechava os mosteiros, foi fechado também o mosteiro de Sedlec. A família de Schwarzenberg de Orlík, mais tarde, comprou seus bens. A decoração de ossos foi renovada em 1870 por Francisco Ront de Ceská Skalice, que liquidou duas das seis pirâmides de ossos originais. Foi ele que desinfectou e adicionou cal clorado aos ossos que usou na decoração. Também completou inserindo o brasão de sua família, integrando seu nome ao design da capela. Por isso, ele é considerado o autor original da arrumação dos restos mortais, já que ele também depositou os outros ossos restantes em cerca de 40 metros cúbicos terra abaixo.
Levando em consideração os detalhes, logo na porta se vê as inscrições em latim e em grego IHS (Iesus Homini Salvator) - Jesus, o Salvador da Humanidade. Na escadaria vemos dois cálices e, acima, uma cruz. À direita está a inscrição Frantisek Rint z Ceské Skalice - 1870. Nos ângulos da capela inferior são colocadas as pirâmides gigantes dos ossos que são arrumadas sem ligação em construções de madeira. Os ossos humanos simbolizam as multidões de todos que estão em frente do trono de Deus e de que a morte faz com que todos sejam iguais. Assim como conta a história de Jesus, de sua redenção iniciada na encarnação, morte na cruz e ressurreição, a igreja preza pela ressurreição de todos os mortos. Todos, então, ressurgiriam para uma nova vida e os justos alcançariam a glória no reino dos céus, o qual é simbolizado pelas coroas de madeira.
No centro da capela há um lustre que foi construído usando-se todos os tipos de ossos do corpo humano. Embaixo do lustre fica a entrada ao sepulcro onde estão depositados restos mortais de quinze pessoas. Ao redor do sepulcro estão os lampadários barrocos.
Nos nichos do altar principal estão colocados os ostensórios. Na grade, na parte esquerda da Capela, é onde foi posto o brasão de Schwarzenberg. Na parte direita inferior deste vemos o corvo bicando o olho turco que simboliza a vitória dos Schwarzenberg sobre os turcos, na batalha de Ráb, em 1591. Na vitrines iluminadas foram colocados os crânios dos guerreiros das guerras hussitas.
A letra R feita de ossos, localizada na coluna ao pé da pirâmide direita traseira, é símbolo dos nomes Reiman (o chefe do latifúndio dos Schwarzenberg, o qual foi mantido na renovação da igreja de Todos os Santos), Rajský (o arquiteto que realizou a renovação) e Rint (que arrumou os ossos pela última vez).
A capela de ossos é o sepulcro comum de aproximadamente 40 mil pessoas. Esta obra não é um fim em si mesma, mas faz lembrar a todos os visitantes o fato da morte e o valor da eternidade. Segundo o folheto apresentado na capela, Deus teria fechado com as pessoas dois contratos que comprometem ao homem a responsabilidade por Deus e pelo próximo. O cumprimento desses contratos é, então, submetido a um julgamento no fim da nossa vida terrestre.
Bom, juntar barroco com memento mori foi simplesmente uma idéia incrível, pra mim. Fascinante, na realidade. Eu não sabia muito bem do que se tratava esse lugar, fui mesmo porque meu amigo Cid gosta muito e eu queria conhecer... tanto que, quando cheguei, não sabia que era tão pequena. Apesar disso, ela tem MUITA decoração, então faz dela muito maior do que realmente é, fisicamente falando. E enquanto eu ouvia minha mãe reclamando que aquele lugar era terrível, ficava pensando novamente naquele conflito Eros-Tanatos, o fascínio e o temor pela morte... e como a morte gera arte e cultura ao mesmo tempo que essas tendem a nos afastar da finitude. Isso tudo é uma viagenzinha aqui que já tenho na cabeça, pensando no doutorado huhauhauah...
Souvenir que comprei da capela
Tinha uns crânios maiores, réplicas mais próximas de um de verdade - com maxilar faltando, dentes a menos, meio deteriorado e tal... mas como eu ainda ia pra Praga naquele dia, ia ficar meio pesado e não era muito barato (algo como 24 euros, pelo que eu lembro)... e minha mãe dizia: "Se você comprar isso, você não entra em casa" HAUHAUAHUAHA... Então, acabei pegando só essa pequenininha, que foi tipo... 4 euros, eu acho. Na real, lá eles usam coroa tcheca, né, mas também aceitam euro fazendo conversão na hora.
Bom, pra terminar, vou deixar mais algumas fotos que selecionei. Espero que tenham gostado do post :)