Schwarze Szene: muito além do gótico

4/21/2012

Minha amiga Penny me mandou um blog chamado Stripy Tights and Dark Delights, atualizado por uma inglesa chamada Amy Asphodel, quem basicamente tem interesse em comentar sobre a cultura gótica/dark. Ela fez um post sobre a Schwarze Szene, isto é, a cena negra, como é chamada a cena gótica/dark em países germânicos. Achei legal traduzir esse texto para quem gostaria de se aprofundar mais no tema, entendendo que o que o senso comum chama de gótico, na verdade, está muito mais além dessa simples palavra que, invariavelmente, acaba tão estigmatizada e estereotipada.



Schwarze Szene
é literalmente traduzido como "cena negra" ou "cultura dark", termo que tem sido usado para agrupar todas as denominações que o Gótico e outros tipos alternativos utilizam para se referir a algo que é normalmente é apreciado pelos góticos sem, no entanto, estar obrigatoriamente ligado ao universo gótico em si. Por exemplo, gêneros musicias como Neofolk, Industrial, Darkwave e música eletrônica dark seriam todos abarcados por esse termo abrangente (e são coletivamente conhecidos como Schwarze Musik). 
A Schwarze Szene existe como movimento desde os anos 1990, quando se desenvolveu na Alemanha "como uma forma de descrever diferentes gêneros de música dark e estilos de vida. Não é um gênero em si, nem um clube com regras estabelecidas e delimitações, mas um termo que define vários estilos distintos. A repercussão desse movimento foi um interesse na cultura dark e alternativa" (Dominion Magazine). 
A Dominion Magazine, que se descreve como uma publicação da Schwarze Szene, comenta que, no movimento, "há várias outras excelentes razões para ver além dessa definição estreita [gótico]. Muitas das bandas que a maioria das pessoas associaria aos góticos nunca se identificou com eles. Muitos desses "atos góticos seminais" precedem a existência do termo (a etimologia é disputada) e alguns artistas, como The Sisters of Mercy, afastam-se muito para não serem incluídos na categoria gótica. 
"O Gótico não descreve adequadamente a música que as pessoas na Schwarze Szene inglesa estão ouvindo, ou os shows aos quais vão, ou a música que é tocada nos clubes e festivais. Com Deviant UK, Devilish Presley, Faderhead, Gene Loves Jezebel, Luxury Stranger, Zombina & the Skeletones, Pro-Jekt e Zeitgeist Zero, o line-up do festival DV8 em York, em 2010, apresentou alguns artistas góticos, mas a estrutura dos concertos se manteve decididamente dentro da Schwarze Szene. Ao se identificar como uma publicação da Schwarze Szene, a Dominion comunica uma mensagem positiva de união". 
Todas as pessoas que olham para sua subcultura como se esta fosse versátil, dependente de seus próprios gostos, preferências e opiniões, entendem que as "regras" são, afinal, mais diretrizes que regras (como o Código dos Piratas). Há, porém, subculturas que certificam que fazer parte desta significa preencher determinados critérios (vestir-se de certa forma, ouvir certo tipo de música) e, assim, fixam limites mais ou menos rígidos. Nenhum desses pontos de vista está incorreto, mas o problema cresce quando o elitismo faccioso ascende e as pessoas são postas sob pressão para se encaixar dentro dos limites "certos" para suas subculturas (por exemplo, se você deseja se identificar como gótico, você precisa ouvir as bandas dentro do gênero Goth rock). 
Dessa forma, um movimento como a Schwarze Szene permite que as pessoas explorem interesses entre múltiplos subgêneros da cultura e música dark, promovendo uma visão mais inclusiva das cenas alternativas e dark. Isso gera criatividade e experimentação entre os indivíduos, sem comprometer sua liberdade de identificação como um membro de qualquer outra subcultura dark ou subgêneros dentro do cabedal da Schwarze Szene
[Nota: É claro que eu e, certamente, muitos de vocês que estão lendo isso gostam de várias coisas que não se encaixam dentro do cabedal da cultura dark, por exemplo rock mainstream, mas fiquem tranquilos que isso não automaticamente desqualifica uma pessoa de participar da Schwarze Szene; muitas pessoas estão cientes de que os rótulos subculturais não são supremos a uma identidade individual.] 
Sei que, na Alemanha, o termo "gótico" é frequentemente usado como um sinônimo para "membro da Schwarze Szene", o que mostra quão complicadas e confusas podem ser as discussões sobre o tópico de "o que é o Gótico", sendo que o termo em si não significa a mesma coisa para todo mundo. Quando se quer conhecer parte de uma comunidade subcultural, quando se tem algum interesse nela ou em sua história, música e moda, vê-se que mesmo numa cultura unificada como a gótica, as delimitações do que faz parte ou não do rótulo são sempre aproximações e nem todos dentro da cena estão de acordo.
Além disso, muitas da cenas unidas dentro do rótulo da Schwarze Szene são amórficas, estão constantemente crescendo e se desenvolvendo, assim como estão sendo pesadamente influenciadas por outros, os quais também influenciam, levando a um maior cruzamento. Portanto, parece lógico que haja um movimento mais aberto, baseado numa apreciação comum por certa estética.

Só nessa imagem, vemos 12 tipos de estética gótica, a maioria com tendência mais medieval, mas já vislumbramos como há uma enorme gama dentro do gênero gótico, sendo que representado apenas pelo gênero feminino. Há toda uma complexidade e mutação, seja esta um reflexo do tempo ou da aproximação com outras subculturas. Uma forma boa de se visualizar a grande "miscigenação" de estilos na Schwarze Szene são os grandes festivais de música dark realizados na Europa, tal como o Wave Gotik Treffen.

Ilustração de Henrique Kipper, organizador da festa Absynthe, em São Paulo, e apoiador da cena gótica. Autor do livro "A Happy House in a Black Planet: Introdução à subcultura gótica", ele participou do seminário sobre ficção científica que organizei na Cásper, minha antiga faculdade, no qual comentou um pouco sobre a questão da subcultura

No site do The Guardian, também saiu há não tanto tempo assim uma matéria sobre pessoas que fizeram parte da cena gótica nos anos 80/90 e continuam com o mesmo estilo (ou ao menos com vestígios deste) até hoje, adultos, com família formada e empregos. Trata-se do tema de pesquisa do sociólogo Paul Hodkinson, quem já estudou a cena gótica inglesa em trabalhos anteriores. Mas o que deixo em aberto, à discussão, é que talvez usemos o termo gótico na preguiça ou na tentativa de sermos mais sintéticos ao indicar algo que, mais corretamente, serial identificado pelo aspecto de cabedal da Schwarze Szene, porém a palavra "gótico" permanece carregada de preconceito e estereótipos ridículos, os quais até hoje fomentam reportagens como essa sobre tribos urbanas, feita pelo programa "jornalístico" A Liga.

Raras são as vezes em que encontramos espaço na mídia para aqueles que resolvem sair da mesmice do "uso roupa preta porque representa a morte" ou "vou no cemitério pra tomar vinho no crânio", porque a montagem das matérias acabam favorecendo a um aspecto mais cômico e depreciativo, sempre ligado a uma opinião de algum psicólogo que irá dizer que as pessoas se vestem e se comportam assim porque são jovens tentando preencher algum vazio interior. Mas, diante da reportagem do Guardian, como sustentar essa tese? Na TV brasileira, é muito difícil achar algum veículo que aborde o tema com profissionalismo e as opções à abordagem do assunto acabam se reduzindo a um binômio de submissão (quando o gótico é personagem e se submete à visão do jornalista que monta a reportagem) ou competição (quando participa de algum programa estilo reality show ou de auditório).


O casal Milho Wonka e Lanna Burns têm que convencer a platéia e alguns jurados aleatórios do porque o jeito deles é "normal e aceitável". As próprias mães se colocam contra eles, reclamando sobre seus estilos de vida e competindo para ver quem tem mais razão

Mas eu acredito que agora que a moda mainstream está se apropriando de caveiras, spikes, tachas e cruzes, talvez essa situação mude um pouquinho. :) Porém, como o texto que traduzi mostra, mesmo dentro das subculturas há uma briga e imposição de regras que procuram delimitar quem faz parte disto ou aquilo, sendo que a categoria Schwarze Szene promove mais compreensão e abrangência, para que as pessoas se unam mais e deixem de "guetizar" tanto a cena - já que todos continuam sendo "guetizados" pelo senso comum. De qualquer forma, esse post foi menos sobre moda e mais sobre comportamento, já que eu acho importante tanto pensar o gótico e o estilo dark como estilo fashion quanto como estilo de vida. 

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1 comments

  1. Eu adoro o blog da Amy, é super novinha e escreve e sabe das coisas melhor que muita gente mais velha que ela.

    A questão da cena/termo Schwarze englobar tudo dentro do "dark" desde o goth até o metal e o medieval é mais inclusivo do que o que acontece aqui mesmo,no Brasil com a questão do termo "gótico/gothic". Veja quanta confusão e discussões ocorrem por aqui quanto ao "gothic metal". Os ouvinte de GM (especialmente as meninas) se vestem como góticas, e sofrem preconceito dos góticos troos, são atutudes opostas às da Schwarze, pois não tem nada de inclusivas. Na Schwarze as cenas se desenvolvem juntas e vc pode ir a um festival e ver um gótico 80´s conversando com uma gothic metal de boa, o que não ocorre aqui. E essa mentalidade de união só faz a cena se desenvolver e o desenvolvimento permite que o mercado pra esse público também se desenvolva, inclusive o mercado da moda e com isso, mesmo adultos as pessoas possam manter seus estilos.

    A questão de manter os estilos mesmo adulto não é apenas porque tem-se roupas adequadas à idade à venda mas também porque toda uma mentalidade é criada. Nestes países, a questão da individualidade é bem mais respeitada que aqui. A maioria absoluta daqueles góticos estilosíssimos do WGT tem um emprego normal no dia a dia. Essas culturas não vem mais o "gótico" como fase adolescente como se vê por aqui e sim como identificação pessoal independente da idade.

    Lembro de ter visto esse vídeo do Wonka, puxa quanta coisa interessante ele podia ter falado e não falou, algumas coisas que ele disse são estereótipos. É impossível também, numa mídia de massa as coisas serem claramente expostas, eles foram alvo de teatralidades, muitas coisas ali por parte dos "julgadores" era armado.

    Sobre a questão da moda mainstream se apropriando sobre estéticas alternativas, eu estou estudando sobre isso e até fiz 2 posts no blog explorando o assunto. As subculturas, ao menos antigamente, tinham regras bem definidas, hoje em dia elas estão bem mais maleáveis, claro, seus adeptos amadureceram.
    Essa maleabilidade que as está fazendo adquirir também estéticas da moda dominante dentro delas, algo antes inaceitável pois as subculturas seriam, em teoria, uma contra cultura.

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